terça-feira, 1 de maio de 2012

Acabou Chorare

Ela tinha cinco anos. Devia ser inverno porque estava frio. Depois contaram que o fatídico tombo aconteceu numa casa alugada pela família na serra carioca – Petrópolis, parece. Era uma das lembranças mais distantes dela. Foi assim: a pequenina, toda agasalhada, veio correndo do jardim com o cachorro que se chamava Pinho, um Basset com cara de triste. Na disputa pelo primeiro lugar, o cão entrou pela porta numa diagonal e, estabanado, deu uma rasteira na competidora mirim. Fato é que a donzela bateu de cara no chão e danou a chorar. A mãe, histérica, correu aflita para lamber sua cria. A testinha ficou vermelha, deve ter dado uma baita dor de cabeça, mas não era motivo de muita preocupação. Quem descia as escadas impávido era o avô. Degrau a degrau, sem pressa para chegar, do jeito que lhe era típico. Para a neta, ele sempre exalou uma certa sabedoria. Ainda não era calvo, ainda não tinha uma pança muito notável, sequer usava o que se tornou depois o seu tradicional bigode, mas tinha a mesma serenidade com a qual ela se acostumou. Agachou ao lado da neta, que ainda se debulhava em lágrimas, escorregou a mão pela fronte do rosto úmido e disse baixinho: “Acabou chorare, ficou tudo lindo. De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé...” Foi cantando todinha a música do Moraes Moreira, até o choro virar soluço, o soluço virar gagueira e a gagueira virar sorriso quando ele já dizia “Abelha, abelhinha... Acabou chorare, faz zunzum pra eu ver, faz zunzum pra mim.”

Sala de estar. Todos os parentes cabisbaixos, trocando poucas palavras, sem saber exatamente o que fazer. Alguns se apertavam no sofá, a neta ocupava a poltrona enquanto dois primos e um tio, em pé, faziam comentários esporádicos e inúteis como “É foda...” Estava frio, mas era outono. O tempo nublado lembrava São Paulo. A tia mais velha, que resolvia a problemática da documentação com uma coragem inabalável, abriu a porta da sala e deu ao recinto a primeira mudança brusca de ares no que parecia horas de marasmo, mas era, na verdade, algumas dezenas de minutos. Fora a última a chegar do cemitério do Caju porque passou na funerária para acertar tudo. Havia umas oito pessoas na sala. A neta deixou de ser autista, ergueu a cabeça e olhou em volta. Não tinha a testa vermelha, mas tinha olhos inchados pelo pranto. Mais silêncio preencheu a sala de estar. Um soluço ou outro apareciam cá e lá. E ela começou com a voz aveludada, tentando imitar Bebel Gilberto: “Acabou chorare, ficou tudo lindo. De manhã cedinho...” Nem todos conheciam bem a música, mas, no meio dela, conforme a voz de veludo se tornava amplamente audível e aquela moça tão doce roubava um pouco da sabedoria do avô que partira, alguns fizeram o zum zum zum da abelhinha. Repetiram frases soltas quando conseguiam cantar ao mesmo tempo que aprendiam a letra e deixavam a serenidade da canção substituir a de quem partia. Acabou chorare e alguns sorriram, um sorriso bobo e meio sem jeito, daqueles com a ternura de quem se conforma em ficar só com a lembrança do ente querido.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Adeus Vó Bia

“Quem é o presidente da República, vó?”, perguntava eu em pleno ano de 2011. “Getúlio Vargas,” respondia ela sem pestanejar. Natural que ele tenha marcado tanto a sua memória. Foi no governo de Vargas que Beatrice Casado de Barros chegou ao Rio de Janeiro, cheia de sonhos e sem muitas convicções. Foi na década seguinte à de sua chegada à capital que ela - jovem, bonita e muito trabalhadora – se viu beneficiada pelas leis trabalhistas que esse mesmo presidente sancionou, mostrando que a questão social não era caso de polícia, como dizia Washington Luís. Chamá-la de trabalhadora não é como aqueles usos desse adjetivo para descrever um sujeito quando não há algo mais interessante para falar sobre ele e sim um fato que se comprovava por aquilo que ela mais gostava de se vangloriar: teve, durante a maior parte da vida, dois empregos. Um no ministério da Fazenda, por onde se aposentou com salário generoso, e outro como costureira, atividade que ela ainda ansiava voltar a praticar, mesmo de cama. Quase oito décadas depois de chegar ao Rio, curiosamente, a memória dela permitia recordar com mais clareza os tempos longínquos do que o passado recente. Nos últimos dois ou três anos, todas as vezes que nos encontrávamos era preciso testar se ela de fato sabia quem eu era, mas Getúlio ela não esquecia. Também não esquecia a mãe, a espanhola Umbelina, que era professora de línguas em Maceió. Ou o irmão, que fora militar. Sobre grandes amores, houve sempre uma incógnita. Vó Bia engravidou tarde para a época - aos 37 anos - e de um homem que, poucos anos depois, ela viu traí-la em um restaurante na Av. Rio Branco. Era mulher de pulso firme: conta ela que jogou as roupas do sujeito pela janela e assumiu o desafio de criar o filho sozinha. Aparentemente, fez um bom trabalho porque o garoto acabou se tornando a pessoa que eu mais admiro – e certamente não sou o único. Mas por trás da casca grossa, havia uma pontinha de saudade que era revelada pela fotografia do casal que ela manteve sobre a sua cama redonda até o fim da vida. Ah, como ela era bonita. Quantos devem ter sido os homens que ela enlouqueceu com tamanha beleza, com o estilo de se vestir a frente do seu próprio tempo, com uma independência que a colocava na vanguarda de um movimento feminista do qual ela nem fazia parte. Todas as fotos guardavam um olhar decidido, de mulher que sabe exatamente o que quer. Nos últimos anos, ela dizia que queria morrer. Conversa fiada, certamente. Falava muitas coisas da boca pra fora, sabe. Mas era mesmo engraçado ouvi-la dizer todo final de ano que o ano seguinte seria o derradeiro, que daquele ela não passava. Dizia isso, aliás, mesmo quando andava sem dificuldades, quando eu, criança, só ia visitá-la na esperança de ganhar um presentinho. Mas era falar de dinheiro com a véia para ela logo se retrair.

Gostava do neto Fernando mais do que de todos os outros, afinal, ela o havia criado e ele, como bom trabalhador, tinha dois empregos também. Nos últimos dias perguntava preocupada às acompanhantes ele se estava brincando na rua sozinho, sem nenhum adulto olhando. Pequena falha de memória que não a deixava lembrar que ele, hoje, é um adulto de 40 anos. Mas o grande amor da vida dela era outro Fernando, o filho. Talvez a foto mais bonita que haja na casa vazia desde a manhã de hoje (21/12) seja uma tirada há cerca de 10 anos de mãe e filho na praia. Ela, com um sorriso sincero, mas cheio do mistério que sempre lhe foi característico, apoiava a mão sobre o peitoral do filho, num misto de carinho e proteção. Em 2008, quando meu pai ainda estava na China e eu já havia voltado, eu e ela nos víamos com frequência. Eram alguns minutos no começo da tarde que conversávamos antes de eu ir dar aulas de inglês. Nessas ocasiões, ela me contava um pouco da própria vida, mas claramente omitia muitos detalhes sem explicar exatamente o porquê. Era enfadonho contar todas as vezes que a visitava o que eu estava estudando e em que estava trabalhando, mas muitas vezes ouvia pérolas sobre a juventude do meu pai, sobre a sua própria infância em Alagoas, sobre o trabalho no ministério... Era engraçado ouví-la prometer que me arrumava um emprego com os amigos lá na Fazenda. Mal sabia, coitada, que a maior parte desses amigos já não estão mais vivos. Ela deve ter sido a última de todos os seus grupos de amizade. Quanto ao que eu escolhi como profissão, ela desaprovava com um argumento muito engraçado, mas não de todo equivocado: “Jornalistas mentem!”, dizia. Aliás, não estou sendo bom jornalista contando aqui histórias sobre a sua vida que eu nem sei exatamente o quão são verdadeiras, jogando luz sobre os poucos e talvez não tão interessantes fatos que eu conheço de uma história que durou 97 anos (segundo o registro oficial feito por ela quando já era adulta, tinha 92 anos, mas a certidão de batismo revelava que 1914 era o ano de seu nascimento). Mas Beatrice Casado de Barros não estará no Wikipédia. Ela nem soube o que era Wikipédia. Que esteja, pelo menos um pouco, no meu humilde e esporadicamente atualizado blog.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Mulheres como livros




A sua filosofia era se relacionar com mulheres como se elas fossem bons romances. O envolvimento começava sem muita intimidade, sem muitas expectativas, palavra por palavra, página por página. Aos poucos, a história começava a ganhar vida, o absorvia, a vontade de voltar à leitura passava pela sua cabeça várias vezes e os encontros eram mágicos, daqueles que fazem esquecer os problemas, que varam pela madrugada. E quando ele, sensível, apesar de crápula, chegava à última página do romance, era inevitável refletir sobre a vida sem aquela narrativa. A ternura com a qual virava as últimas páginas era a mesma com a qual consolava aquelas moças apaixonadas, que nada entendiam quando ele se despedia. Mas não pense que o rapaz não sofria. Elas faziam tanta falta quanto eles, os romances. Mas era da sua natureza não se apegar demais a alguém ao ponto de não conseguir largá-la.

É verdade que esse notório bon vivant tinha traquejo na conquista de suas vítimas. Mas aquela morena de Vila Isabel, que ele conheceu em uma roda de samba na Pedra do Sal, estava demorando para se render aos seus encantos. Era a segunda vez que ele a encontrava ali numa sexta-feira a noite. Ela ouvia o que ele tinha a dizer sem muita atenção, respondia com desleixo, enfim, não fazia a menor questão de dar bola para o malandro. A morena era sabida. Sabia que não deveria dar-lhe muita atenção porque, aquele ali, ela queria era fisgar e a estratégia da moça que veio lá do cantinho de Noel Rosa era abalar a auto-confiança do sujeito abusado. Ele cortejou, jogou as cantadas consideradas infalíveis, usou até letras dos sambas de Noel para fazer uma graça com a morena, mas, quando o samba acabou, ela pegou sua bolsa de renda branca igual à do vestido e foi caçar um táxi. Ele foi atrás, contra-argumentando à crítica que ela fizera ao jeito malandro, com chapéu panamá na cabeça e fala cheia de vocativos carinhosos. Enquanto ela entrava no táxi ele pediu o seu telefone. Sabia que ela não o tinha desgostado e que conseguiria algo com a morena caso insistisse, mostrando que o objetivo não era trocar alguns beijos ali, talvez uma boa transa, e adeus. Logo que a viu, no samba ao qual havia ido um mês antes, ele já decidira que ela seria seu Guerra e Paz, de León Tolstói – um dos mais volumosos romances que já se viu. Ela não revelou o telefone, mas prometeu que voltaria ao samba da Pedra do Sal em breve. A nega era esperta. Sua estratégia era esperar mais um mês. Se ele fosse a todos os sambas daquele mês a sua procura, significava que as pequenas promessas que fizera não eram meras falácias e eles haveriam de ficar juntos.

A dona do bar que fica na frente da roda de samba era amiga da mocinha da Vila e prometeu espiar para ver se o rapaz ia se dar ao trabalho. Veio a semana seguinte e antes de começar o batuque lá estava ele, sentado na cadeira azul de plástico, com as pernas cruzadas, ao lado de dois amigos do trabalho, bebendo uma boa Original®. Como observou a dona do bar numa ligação logo no dia seguinte, o homem não parava de olhar em volta. Buscava a morena como se não houvesse outra mulher no recinto. Ele não estava acostumado a ser rejeitado e não iria desistir facilmente, tanto que passou mais uma semana e lá foi ele de novo ao samba de sexta-feira. Os seus próprios amigos não acreditavam na insistência. Será que bastou a morena ignorar o camarada para ele ficar daquele jeito? O pior, pensavam todos, é que apesar de ele ser galanteador, aquela não havia sido a primeira a renegá-lo. Vale, inclusive, ressaltar que ele ia ao samba, conversava com todo mundo, mas não queria mais nenhuma outra mulher. Uma linda ruiva, por exemplo, se insinuou para ele na terceira sexta-feira seguida de uma forma que os próprios companheiros do trabalho descreveram como irresistível e ele, mesmo sem o menor compromisso, provou por A + B que a morena estava errada de julgar seu caráter pelo jeito malandro. Isso tudo ela mesma veio a saber nos ‘relatórios’ que recebia logo nas manhãs de sábado pelo telefone.

Para ela, a semana em que iria, finalmente, ceder ao malandro também foi de muita angústia. Já ficara claro que ele merecia a chance e que ela tinha de fato o fisgado. Ela tinha até medo de tanta certeza que já possuía quanto ao fato de que tudo ia dar certo. Em casa, enquanto tomava banho, dizia para si mesma que não deveria criar expectativas, afinal, ele poderia ter desistido de ir ao samba para procurá-la. Mas, no fundo, ela sabia que ele estaria lá de novo, com o mesmo chapéu panamá e os vocativos carinhosos, pronto para o encontro. E assim aconteceu.

Os sambistas tocavam a marchinha de carnaval Máscara Negra, de Zé Keti, quando os olhos dos dois se encontraram. Ela abriu um sorriso de dar gosto e ele, pagando de charmoso, fez uma cara de reprovação por ela ter demorado tanto, mas misturada com um risinho de canto de boca que revelava a falta de seriedade na reprimenda. Enquanto ela andava para ele, o via cantar: “Arlequim está chorando pelo amor da Colombina, No meio da multidão.” Mas não deu tempo de esperar o pessoal terminar a música para que acontecesse o beijo. Quando a marcha chegou nos famosos versos “Vou beijar-te agora, Não me leve a mal, Hoje é carnaval” as línguas já se enroscavam e o panamá dele já tinha caído no chão. Só faltou chover para virar cena de cinema.

Mas ao contrário do que o leitor possa estar esperando, não houve reviravoltas. Esse conto romântico será mesmo otimista e eles ficarão juntos e terão pela frente uma duradoura história de amor. É que o rapaz nunca chegou a terminar de ler Guerra e Paz, do León Tolstói. 

sábado, 11 de junho de 2011

Audrey Tautou no Rio

Imagine assistir um filme magnífico e enquanto os créditos sobem a atriz principal aparecer para conversar com o público. Imagine que essa atriz seja ninguém menos que Audrey Tautou, uma das principais atrizes francesas da atualidade, a eterna Amélie Poulain. Isso de fato aconteceu na noite desta sexta-feira, 10 de junho, no Odeon, o cinema mais charmoso do Rio (isso não quer dizer que seja o melhor, até porque minha visão de Tautou foi atrapalhada pela cabeça do sujeito sentado na cadeira da frente).

Audrey Tautou: nem tão bonita assim

O filme chama-se “Uma Doce Mentira”, de Pierre Salvadori. Esse é o segundo que Tautou faz com o cineasta, mas dessa vez o roteiro foi escrito pensando nela. E deu certo porque o filme é realmente muito bom. É uma fábula engraçada como Amélie Poulain, um romance cheio de atuações fantásticas, com roteiro que faz o tempo passar voando. Trata-se da história de Emilie (Audrey Tautou), uma dona de salão de beleza que recebe carta anônima apaixonada de um de seus funcionários. Após ignorá-la, Emilie decide copiar a carta e enviar para sua mãe, Maddy (a bela Nathalie Baye), que estava depressiva há quatro anos por conta do divórcio. Maddy melhora muito seu auto-estima, como Emilie previa, e sua filha decide escrever novas cartas. É evidente que isso não vai dar certo. Os detalhes da grande confusão que se forma são todos muito bem amarrados no roteiro e, eu pelo menos, não notei nem um buraco. Exceto o fato de, francamente, Maddy, mesmo provavelmente beirando os 50 anos, ser muito diferente fisicamente da filha – leia-se muito mais bonita, já que, apesar de talentosa, Audrey Tautou não ser lá uma musa.

Elas são mãe e filha no filme, acredita?

A conversa com Audrey Tautou e o produtor do filme, Philippe Martin, decepcionou um pouco, principalmente pelo público que repete perguntas como “O que te inspirou para ser atriz?” É aquela velha necessidade de aparecer. O idiota vai ao debate com a ideia fixa de que tem que pegar no microfone e fazer uma pergunta. Como é um idiota, como disse anteriormente, ele faz uma pergunta estranha ou repetitiva e muitas vezes ainda a formula mal. Dá uma enorme vergonha alheia. E o pior é que Tautou não é desses artistas que divagam por 40 minutos acerca das pequenas coisas que a inspira e que a faz refletir sobre sua atuação e carreira e o porquê do céu ser azul. A eterna Amélie Poulain se parece com alguns de seus personagens quando dá respostas objetivas como “Não sei o que me inspirou a ser atriz. Eu apenas gostava de teatro, de cinema e de atuar.”

Houve, no entanto, alguns comentários interessantes da atriz francesa. O mais aplaudido foi quando ela disse que recebeu outros convites para trabalhar em Hollywood depois de ter feito O Código Da Vinci (para mim, a grande vergonha da carreira de Ron Howard, que fez o inesquecível Frost/Nixon), mas decidiu não aceitar porque não quer fazer carreira lá. E completou dizendo que se surpreendia de ver que o cinema francês poderia lotar uma sala tão grande quanto a do Odeon – já disse que é o cinema mais charmoso do Rio? – e que havia um público brasileiro que resistia à invasão do cinema americano. Ela também mencionou os filmes em que foi dirigida por Stephen Frears e Alain Resnais, quando perguntada sobre os que mais gostou de fazer, apesar de fazer aquele discurso típico do “é muito difícil escolher um só filme”.

Se você imagina que ser eternamente reconhecida como Amélie Poulain a incomoda, segundo ela, não é verdade. Tautou diz que se o personagem faz tanto sucesso, isso significa que ela fez um bom trabalho. Não me convenceu. Toda vez que alguém da plateia fazia algum comentário sobre O Fabuloso Destino de Amélie Poulain como “eu assisti 30 vezes” ou “ele mudou a minha vida”, ela não esboçava sequer um sorriso, mesmo sendo, em geral, sorridente.

Além de sorridente, ela é baixinha e magrinha. Foi simpática ao dar um autógrafo a um senhor que a abordou no corredor e não mostrou incômodo com os tietes que a fotografavam incessantemente – em sua maioria adolescentes, o que me surpreendeu. No entanto, ela não parece ter, pessoalmente, o mesmo charme de suas personagens. Os olhares penetrantes e sensuais de filmes como “Coco antes de Chanel” e o próprio Amélie Poulain não ficaram explícitos. Na verdade, nota-se em Tautou uma certa timidez.

Quanto à relação com o Brasil, não houve muitos comentários. Nada dos clichês do tipo “O Rio é uma cidade linda” ou “Adoro o Brasil”, mas também nenhum comentário que demonstrasse algum conhecimento do país. Exceto o apreço por Walter Salles e por seu Central do Brasil. Perguntada sobre atuar no Brasil, ela disse que precisa melhorar o português e que a decisão não depende dela apenas, é preciso haver um convite. Quando disse isso, lembrei de Vincent Cassel, que já atuou aqui em um belo filme de Heitor Dhalia, À Deriva. Tomara que a pergunta -  uma das que não foram repetitivas e estranhas – e a visita ao Brasil tenha plantado em Tautou uma vontade de atuar em terras tupiniquins. Seria uma honra.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Jornal da Record News com Kotscho e Heródoto

Tenho feito uma campanha dentro da Escola de Comunicação para que meus caros amigos assistam ao Jornal da Record News. Confesso que leio notícias mais do que as vejo na TV, mas já se tornou um costume meu assistir Heródoto Barbeiro na bancada do jornal que vai ao ar de segunda a sexta, entre 21h às 22h15.

Heródoto é um jornalista respeitável, cuja participação no telejornal muito me agrada, afinal tenho uma simpatia gratuita pelo indivíduo desde os tempos de Roda Viva. Mas a cereja do bolo é Ricardo Kotscho, esse monstro sagrado da reportagem no impresso, que comenta política - vide blog. O grande repórter das Diretas Já, só pela experiência nas redações, já seria perfeitamente gabaritado para nos elucidar sobre assunto de tamanha importância. Porém, Kotscho também foi secretário de imprensa do presidente Lula entre 2003 e 2004, tendo participado também da campanha, o que o faz conhecer ainda melhor o que está por trás do governo Lula/Dilma. Seus comentários fogem do senso comum, têm conhecimento de causa e têm um quê de bastidores. Um primor incomparável nas bancadas de telejornais Brasil afora.
Todo mundo olhando para a câmera errada. Heródoto, porém, não olhava para câmera alguma.

O formato de ter o comentarista ou convidado na bancada para uma conversa faz do telejornal algo mais interessante do que o usual hard news do Jornal Nacional, pois dá margem a uma análise personalizada, feita sem pressa e com espaço para improviso. A interatividade também é marca, porque Heródoto busca sempre perguntas de internautas para os comentaristas e convidados.

Há, entretanto, alguns poréns. A bela dama ao lado de Heródoto, chamada Talitha Oliveira, é um deles. A mocinha vira e mexe faz um comentário de dar vergonha alheia, frequentemente falando o óbvio e tão frequentemente quanto sendo ridicularizada pelo comentarista de economia, Roberto Macedo, que ignora, reprime ou ri de suas perguntas. Bruno Motta contando piadinha também é triste, ainda mais quando Heródoto somente emite um risinho educado. O comentarista de esportes traz boas informações e detalhes curiosos do mundo do esporte, mas se enrola para falar, deixando transparecer um nervosismo que, depois de quase duas semanas de telejornal, parece ser crônico.

Vale muito a pena assistir. A transmissão é da Record News TV e também ao vivo no Portal R7. Outras informações no site do programa: http://noticias.r7.com/jornal-da-record-news/

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O ministro quieto e o parlamento bobo

400 deputados para defender sua vontade de ficar calado. Em tese.


Uma breve elucidação sobre cidadania e ciência política. No século XVIII, Charles de Montesquieu defendia a divisão do poder no Estado em três: executivo, legislativo e judiciário. Seu tripé foi aplicado em boa parte dos países ocidentais, inclusive no nosso querido Brasil. Vamos nos ater ao segundo. A função do poder legislativo é elaborar leis e fiscalizar o Executivo. Essas cinco primeiras frases são um grande nariz de cera, coroada com uma obviedade. Se você resistiu ler até esta frase, deve estar se perguntando porque, então, este que vos escreve lança mão de tamanha obviedade em seu texto. Simples: na democracia brasileira, tamanha obviedade esbarra nas trocas de favores entre Executivo e Legislativo e a função do segundo (e do primeiro também, francamente) se deturpa. Tudo isso tem a ver com Palocci, o ministro mais silencioso (de uns tempos pra cá) e ao mesmo tempo mais poderoso (talvez não tanto de uns tempos pra cá) do governo Dilma.

A oposição insiste em levá-lo ao Congresso para dar explicações sobre seu substancial enriquecimento. Natural, é o papel da oposição. A heterogênea “base” aliada deveria, a pedido do governo, barrar. 1) Isto não é natural. É obrigação do ministro esclarecer eventuais dúvidas que o parlamento e a opinião pública (como já é o caso desde a publicação da histórica matéria da Folha de S. Paulo) tenham sobre suas atividades. Ele é homem público e essas condições deveriam estar em seu job description, como dizem no mundo corporativo. 2) Boa parte da “base do governo Dilma” já começa a se desintegrar na defesa de Palocci, com declarações até de petistas, como o senador baiano Walter Pinheiro, a favor da manifestação pública do quieto ministro sobre o misterioso caso.

O caso Palocci evidencia que o governo Dilma é espalhafatoso nas suas tentativas de controlar o legislativo. Boas relações são fundamentais, mas transparência também é. A pressão pelo Código Florestal é válida (tema para outro post), por Palocci, não! Se o povo pede esclarecimento, o ministro tem que se pronunciar. Hoje, no Globo, Roberto DaMatta disse que o governo Dilma está autista, silenciado por razões que só o próprio governo sabe. O que eles pensam que são? Donos do Brasil? Não se trata de questões da vida pessoal de um indivíduo, mas de enriquecimento que, bem ou mal, tem relação com as posições que já exerceu e ainda exerce em defesa (ou não) do Brasil e, por isso, ele nos deve explicações.

No mais, qual será a opinião do deputado Tiririca sobre essa história, já que ele representa nada menos que 1 milhão e 350 mil brasileiros?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Jorge Kajuru, o contador de histórias

Ele esteve na UFRJ
“Alô ouvintes da Rádio Ka. Neste momento, o presidente do Itumbiara está vindo na minha direção com um revólver apontado para o meu rosto dizendo que vai me matar!” Não é exatamente comum ouvir isso no rádio, seja nas grandes cidades ou mesmo no interior. Mas, na verdade, nada que venha de Jorge Kajuru pode ser considerado comum. Ele conta de pé a história do dia em que quase foi assassinado em Goiás, aproximando a boca dos punhos cerrados como se fizesse uma transmissão de rádio. Naquela ocasião, na cidade de Itumbiara, ele se preparava para narrar um jogo da semifinal do campeonato goiano em um estádio lotado, cujos portões haviam sido abertos por seu algoz para que toda a torcida gritasse contra o jornalista. Kajuru denunciou no rádio que o presidente do clube da casa mandara desligar as luzes do estádio quando seu time perdia de 2 a 0 para que o jogo fosse adiado. Enquanto era ameaçado, Kajuru pensou numa estratégia para se salvar. Lembrou que o presidente do Itumbiara era natural da cidade vizinha, Guaiatuba, e com frequencia se queixava do quão terrível era a cidade de Itumbiara. “Olha, se você quer me matar, tudo bem, mas vamos sair daqui. Vamos para Paris e você me dá um tiro lá porque morrer em Itumbiara é sacanagem, hein!” Essa foi a carta na manga de Kajuru. O assassino de repente foi murchando, abaixou a arma e começou a dar passos para trás, contra a vontade do público que gritava para que ele atirasse no radialista. O gaiato imita no auditório o semblante consternado e o gesto que o presidente do Itumbiara fez para sua torcida, com as mãos para o alto, como se pedisse para que ela se acalmasse. São e salvo, Kajuru encontrou por coincidência este mesmo sujeito alguns meses depois em uma churrascaria em Goiânia. “Rapaz, sabe que você foi esperto. Não te matei só porque Itumbiara é uma merda mesmo. Saí de lá, voltei para Guaiatuba. Aliás, agora gosto muito de você hein!” confessou o novo amigo do polêmico jornalista de Ribeirão Preto.

Essa é uma das muitas histórias que Jorge Kajuru conta – todas de pé, com abundância de gestos e memória invejável para nomes e datas  - ao longo de quase 2 horas e 30 minutos de papo descontraído, permeados por gargalhadas de uma plateia de mais ou menos 50 universitários da Escola de Comunicação da UFRJ. Os elementos extraordinários das histórias, ao mesmo tempo que carimbam Kajuru com a qualidade de contador de histórias nato, erguem dúvidas sobre a veracidade dos fatos. Jorge Kajuru é jornalista e humorista e muitas vezes o segundo título atrapalha a profissão de origem. Ele mesmo anuncia no início do papo que aquilo poderia parecer um show de stand-up comedy e que ele iria falar muita “merda”.
Abundância de caretas
Kajuru está diferente daquele jornalista polêmico que se consagrou nacionalmente em programas esportivos na RedeTV (de onde se demitiu no ar), TV Bandeirantes (onde foi demitido no ar) e no SBT. O estilo combativo e indiscriminadamente sincero que o notabilizou – amparado na premissa de Millôr Fernades de que “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados” – é lembrado frequentemente através das denúncias que vai fazendo ao longo da conversa, mas que já não têm o mesmo espaço na mídia. Seu blog estampa no subtítulo a frase “Aqui tem tudo que a mídia esconde”, mas o principal emprego é o programa Kajuru Sob Controle, na TV Esporte Interativo, que tem esse nome justamente para deixar claro que as rédeas lá são curtas. Existe também um Kajuru Sem Controle, programa transmitido em cinco afiliadas do SBT e quatro da Band. A sua duração, no entanto, é comparável a programa eleitoral: 5 minutos. O Kajuru Sem Controle também está no rádio, em 56 emissoras Brasil afora. O apresentador passou por maus bocados nos últimos anos – com o esquecimento da mídia e problemas de saúde - mas atualmente se diz feliz. Apesar de se lamentar que não enriqueceu – mesmo já tendo recebido mais de R$ 100 mil por mês – as menções a jantares em restaurantes caros como o Antiquarius, no Leblon, e ao apartamento confortável na Barra da Tijuca revelam que Kajuru não tem uma situação financeira periclitante.

A aparência de Jorge Kajuru mudou mais ainda. Vestia uma camisa de malha larga, longe dos trajes que costumava usar na TV. Também usava um chapéu-palheta, o primo feio do panamá, e óculos redondos de lente azulada, uma mistura desafortunada daqueles usados por John Lennon e Bono Vox. Por trás dos óculos, um dos olhos não enxerga por deslocamento de retina – Kajuru usa uma prótese – e o outro só alcança 20% da visão. A cirurgia de redução de estômago parece ter feito com que Kajuru emagrecesse em todas as partes do corpo menos no estômago. O rosto antes gorducho parece que foi lipoaspirado e, somado ao pescoço fino, parece não pertencer ao resto do corpo. O sorriso agora tem um quê de resignação.
Humorista ou jornalista? Indubitavelmente, um bom contador de histórias

A principal característica de Kajuru é ser depreciativo: dele mesmo e dos outros. Ao se depreciar Kajuru evoca uma estratégia cômica muito tradicional, mas ao falar mal de outras pessoas ele encontra o seu ganha-pão. Achar o lide de uma entrevista em que há uma declaração polêmica sobre uma pessoa importante é fácil. Difícil é achar o lide quando há inúmeras declarações e histórias polêmicas. Talvez a melhor estratégia seja listar o que Kajuru fala sobre diversas figuras públicas, como ele fez em seu livro “Condenado a Falar”, que vendia a apenas R$ 1,00, em uma clara tentativa de ultrapassar a Bíblia.

·         Sílvio Santos: É um dos admirados por Jorge Kajuru, mas também um dos principais personagens de algumas histórias, dentre as quais a mais notória concerne sua ignorância sobre o futebol. No início da carreira, ainda nos anos 80, com 21 anos, Kajuru era repórter esportivo no SBT durante as transmissões do campeonato paulista. A narração era de Osmar de Oliveira e o comentarista era Juca Kfouri. Um belo dia, Silvio decidiu ver uma transmissão do jogo e comentá-la. No fim das contas sugeriu duas mudanças: que o narrador da partida fosse Lombardi e que a repórter do gramado fosse Gretchen, vestindo, naturalmente, um mini short.

·         Milton Neves: Arqui-inimigo de Kajuru. É mencionado duas vezes nos primeiros dois minutos de conversa. Além das usuais críticas a seu estilo de fazer merchandising de todo e qualquer produto, Kajuru conta que, em um debate em uma universidade paulista, Milton Neves quis agredí-lo e foi segurado pelos estudantes.

·         Wanderley Luxemburgo: “O Luxa é execrável porque ele é o tipo de cara que vai na tua casa e canta a tua mulher”. A história que Kajuru contou do atual técnico do Flamengo, se verdade for, é de deixar o ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, no chinelo. Kajuru é muito amigo do músico Ivan Lins (esse, aliás, não foi mal-falado uma vez sequer!), tanto que é o padrinho de sua filha, Diana. Em 2000, durante as Olimpíadas de Sidney, boa parte da equipe de imprensa estava hospedada no mesmo hotel, em Gold Coast. Diana Lins, então com 17 anos, também estava no hotel, assim como Luxemburgo, que também é amigo de seu pai. Kajuru conta que a moça já havia sido cantada pelo técnico de futebol duas vezes quando, em um dia em que estava mais bela que nunca, se deparou, ao abrir a porta da cabine do banheiro do ról, com Luxemburgo com seu pênis para fora (!), insinuando que queria transar com a adolescente. Kajuru, inclusive, faz questão de confirmar a teoria de que Luxa é bem dotado. A história tornou-se pública rapidamente, indignando notáveis presentes no hotel, como Galvão Bueno, que quis agredir Luxemburgo.

·         Casagrande: Ainda sobre Sidney 2000, o comentarista Casagrande também estava presente. Kajuru conta que “bebeu muito com ele e fez outras coisas também”, depois coça o nariz, como se quisesse comunicar alguma coisa. Ele conta ainda que não costuma mais usar essas drogas. “Hoje, eu prefiro só me basear”, completa.

·         Roberto Carlos: Também é o tipo de cara que vai na sua casa e canta a sua mulher. Kajuru conta que o ex-lateral esquerdo da seleção brasileira roubou a mulher de Renato Maurício Prado quando este foi visitá-lo em Madri. Na mesma noite em que jantaram, Roberto Carlos teria levado Renata para o banheiro e transado com ela, que gostou tanto que só voltou para o Brasil um ano e meio depois. Kajuru usa o caso para declarar seu apoio ao relacionamento aberto.

·         João Havelange: “Gagá e ladrão.”

·         Ricardo Teixeira: Só é menos odiado que Milton Neves. Para Kajuru, é o responsável pela maioria de suas demissões. Lembra que certo dia Silvio Santos o chamou no camarim para avisar que Ricardo Teixeira estava pedindo a sua cabeça.

·         Juca Kfouri: Um grande amigo. Kajuru o considera um equivalente atual a João Saldanha, só que menos culto. Aí se enrola para explicar que isso não significa que Juca não seja culto. Foi a primeira pessoa para quem Kajuru ligou ao descobrir que sua ex-mulher havia sido violentada em Goiás. 

·         Sócrates: Um dos melhores amigos de Kajuru. É mencionado em todas as entrevistas concedidas pelo apresentador. Companheiro de bar: “Bebe até estanho.” Kajuru também é bom bebedor. Afirma que “quem bebe socialmente é viado e burguês”.

·         Luciana Gimenez: A apresentadora de TV que tem um filho com o rolling stone Mick Jagger é a responsável pelo único processo contra Kajuru que ainda tramita na justiça. O processo surgiu depois que Kajuru disse em um programa de TV que Gimenez é mais burra que a mesa. O jornalista conta que se surpreende que tenha sido processado por Luciana Gimenez e não pela mesa.

Usual indignação: infelizmente, com menos espaço na mídia