Sala de estar. Todos os parentes
cabisbaixos, trocando poucas palavras, sem saber exatamente o que fazer. Alguns
se apertavam no sofá, a neta ocupava a poltrona enquanto dois primos e um tio,
em pé, faziam comentários esporádicos e inúteis como “É foda...” Estava frio,
mas era outono. O tempo nublado lembrava São Paulo. A tia mais velha, que
resolvia a problemática da documentação com uma coragem inabalável, abriu a
porta da sala e deu ao recinto a primeira mudança brusca de ares no que parecia
horas de marasmo, mas era, na verdade, algumas dezenas de minutos. Fora a última
a chegar do cemitério do Caju porque passou na funerária para acertar tudo. Havia
umas oito pessoas na sala. A neta deixou de ser autista, ergueu a cabeça e
olhou em volta. Não tinha a testa vermelha, mas tinha olhos inchados pelo
pranto. Mais silêncio preencheu a sala de estar. Um soluço ou outro apareciam
cá e lá. E ela começou com a voz aveludada, tentando imitar Bebel Gilberto: “Acabou
chorare, ficou tudo lindo. De manhã cedinho...” Nem todos conheciam bem a música,
mas, no meio dela, conforme a voz de veludo se tornava amplamente audível e
aquela moça tão doce roubava um pouco da sabedoria do avô que partira, alguns
fizeram o zum zum zum da abelhinha. Repetiram frases soltas quando conseguiam
cantar ao mesmo tempo que aprendiam a letra e deixavam a serenidade da canção substituir a de quem partia. Acabou chorare e alguns sorriram, um sorriso bobo
e meio sem jeito, daqueles com a ternura de quem se conforma em ficar só com a lembrança do ente querido.
Não sei se são crônicas, contos ou artigos. Eu prefiro chamar de apenas pequenos pensamentos.
terça-feira, 1 de maio de 2012
Acabou Chorare
Ela tinha cinco anos. Devia ser inverno
porque estava frio. Depois contaram que o fatídico tombo aconteceu numa casa
alugada pela família na serra carioca – Petrópolis, parece. Era uma das
lembranças mais distantes dela. Foi assim: a pequenina, toda agasalhada, veio correndo
do jardim com o cachorro que se chamava Pinho, um Basset com cara de triste. Na
disputa pelo primeiro lugar, o cão entrou pela porta numa diagonal e,
estabanado, deu uma rasteira na competidora mirim. Fato é que a donzela bateu
de cara no chão e danou a chorar. A mãe, histérica, correu aflita para lamber
sua cria. A testinha ficou vermelha, deve ter dado uma baita dor de cabeça, mas
não era motivo de muita preocupação. Quem descia as escadas impávido era o avô.
Degrau a degrau, sem pressa para chegar, do jeito que lhe era típico. Para a
neta, ele sempre exalou uma certa sabedoria. Ainda não era calvo, ainda não
tinha uma pança muito notável, sequer usava o que se tornou depois o seu
tradicional bigode, mas tinha a mesma serenidade com a qual ela se acostumou.
Agachou ao lado da neta, que ainda se debulhava em lágrimas, escorregou a mão
pela fronte do rosto úmido e disse baixinho: “Acabou chorare, ficou tudo lindo.
De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé...” Foi cantando todinha a música
do Moraes Moreira, até o choro virar soluço, o soluço virar gagueira e a
gagueira virar sorriso quando ele já dizia “Abelha, abelhinha... Acabou
chorare, faz zunzum pra eu ver, faz zunzum pra mim.”
Assinar:
Postagens (Atom)