Mão direita que soava de tensão nas costas da dama. Perna esquerda dele pra frente, a direita dela para trás, a esquerda dele volta conforme a direita dela vai à frente. Para ele os passos vão por inércia, para ela ainda não. Aquela era a primeira aula de bolero dela. No entanto, o nervosismo tomava conta era dele, experiente professor de dança de salão. Nunca fora tão bom trabalhar em uma sala toda espelhada. A observação daquele corpo divinamente esbelto mover-se alimentava a sua imaginação de tal modo que seu coração batia acelerado. A sua dúvida era se puxava a moça para mais perto de si seguindo seu instinto de sentir aquele corpo junto ao seu ou não, já que ela sentiria seu coração bater mais forte e poderia estranhar. Antes que ele pudesse decidir, um casal de idosos o interrompeu para pedir ajuda em um passo. Ele sorriu para a sua parceira e pediu que esperasse um minuto, ela sorriu de volta dando a entender que tudo bem. Que sorriso arrebatador! Em 15 anos como professor ele nunca havia visto uma mulher com beleza tão enlouquecedora naquela academia de dança.
Após explicar o passo para os velhinhos, notou que um espertalhão havia roubado sua dama. Era o gordinho que já frequentava as aulas havia três meses e mal sabia fazer um cruzado. Como ele ousava roubar a dama do professor? Mal sabia ele que ser mestre tem lá as suas vantagens. Não precisou observá-los por 10 segundos para identificar um erro. Educadamente, ele interrompeu a dança dos dois e mostrou ao gordinho como deveria segurar a dama. Malandramente, o rapaz estava com a mão muito para baixo. Novato! Após sutilmente humilhá-lo, ele se deu conta de que era hora de terminar a aula. Deu os recados pertinentes ao grupo e os liberou, preparado para ir falar com aquela que havia se tornado a sua aluna preferida. O plano não deu certo. 1) Ao acabar a aula, especialmente naquele dia, seis alunos resolveram cercá-lo para tirar dúvidas. 2) O gordinho, que àquela altura do campeonato suava em bicas, foi puxar papo com ela, que sorria sem graça.
Quase 48 horas de espera torturante se passaram até que chegasse o momento dele reencontrá-la. Faltando 15 minutos para a aula ele olhou pela janela da academia de dança para ver se a via chegar. Ficou alguns minutos olhando, até que gotas d’água começaram pouco a pouco a bater no vidro. Um minuto depois, um temporal caiu sobre o Rio de Janeiro. A cada pessoa que aparecia na porta, ele quase tinha um infarto esperando que fosse ela. A aula começou e só havia quatro alunos na sala. Após 10 minutos de aula surgiu na porta o gordinho. Mesmo ela não tendo vindo naquele dia, um prazer ele teve: o de colocar o gordinho para dançar com a dona Ive, a senhora de 86 anos que havia vindo justamente naquele dia, após um mês afastada da dança de salão.
Ele viveu noites de tormenta lembrando daquele sorriso cheio de esplendor, dos olhos azuis à Finlândia, das pernas que iam e voltavam no balanço do bolero... No sábado a noite, o professor foi à Lapa. Talvez ela tivesse decidido pôr os poucos passos que aprendeu em prática naquele fim de semana. Destemido, ele foi ao Democráticos, ao Lapa 40 graus e a três bares na mesma noite. Encontrou muitos conhecidos, mas, é claro, nenhum deles era ela.
Terça-feira, 19:45: momento de tensão. Novamente faltava 15 minutos para o começo da aula, a previsão do tempo não mencionava chuva e na sala já havia sete alunos. Quando o seu relógio da Casio marcava exatamente 19:58, ela apareceu na porta com uma saia rosa e uma camiseta branca. Que primor! Pela respiração ofegante, ela correu para chegar na hora. Ele perguntou porque havia faltado à última aula e ela disse que se surpreendeu por ele ter notado sua ausência, deu um sorriso tão lindo quanto o da semana anterior e explicou que, com a chuva, preferiu ir para casa, já que a rua Jardim Botânico, seu caminho, alaga facilmente.
A aula daquele dia foi divina. Eles dançaram juntos e enquanto dançavam conversaram. Ela claramente havia aprendido alguns passos. Ao final da aula ele perguntou como ela havia melhorado tanto em tão pouco tempo e ela respondeu que havia ido à Gafieira Elite, ali perto da Lapa, no sábado a noite.
Ao fim da aula de quinta-feira, ele a convidou para ir a um baile no dia seguinte. Ela aceitou e, de quinta para sexta, a ansiedade não o deixou dormir mais que três horas. Nesse pouco tempo de sono ele sonhou que a beijava no meio do salão e que ela o olhava apaixonada enquanto ele passava a mão por seu cabelo loiro, num carinhoso movimento que tirava o cabelo da frente de parte do rosto para que ele pudesse ver melhor aquelas feições de beleza incomparável. Passou a sexta-feira inteira pensando em como seria encontrá-la, planejando os passos que ensinaria a ela, a conversa que eles teriam, cada momento propício para beijá-la etc.
Eles se encontraram na Cinelândia às 21h. Ele estava sentado em um dos bancos esperando por ela quando a viu emergir da saída do metrô, divina, em um vestido amarelo que delineava seu corpo melhor do que qualquer outra roupa que ele já havia visto ela vestir. Além disso, maquiada ela conseguia ficar ainda mais bonita. Era inconcebível que Deus houvesse criado algo tão belo quanto aquela mulher. Enquanto ela caminhava em sua direção, ele lembrou que estava loucamente apaixonado por uma mulher que mal conhecia. Isso também era inconcebível, mas ao mesmo tempo era impossível de controlar. Ele queria mais do que nunca agarrá-la, tocar seu corpo livremente, dizer coisas que nunca sentiu-se a vontade para dizer a qualquer mulher. Trocaram beijos no rosto e ele ficou inebriado com o perfume. A conclusão é de que ela era perfeita, nada menos que perfeita.
Logo que começaram a andar, ela pediu licença ao seu professor e tomou a frente na caminhada, rumando para o cinema Odeon, onde havia uma pessoa parada. A princípio, ele não entendeu, mas logo foi tomado pelo pavor da surpresa. Na frente do Odeon estava o gordinho da academia de dança, que a recebeu com um beijo na boca e um abraço apertado, que denotava a paixão entre o casal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário