quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Best-seller

Para ele felicidade era intermitente. Olhando para trás, o jornalista de 68 anos conseguia ver claramente os períodos em que foi feliz e aqueles em que não foi. Conseguia, inclusive, enxergar os pontos determinantes para que um período se encerrasse e outro tivesse início. Naquele momento, ele se sentia infeliz. Desde o divórcio com a terceira esposa, dois anos antes, ele não se relacionava com ninguém. Morava sozinho - seu labrador havia morrido recentemente. Lamentava diariamente a idade avançada e as dores nas articulações e durante muitas noites ele não dormia dominado pela nostalgia de tempos áureos. Era fato que ele trilhou uma carreira brilhante. Começou como repórter de política e economia em um jornal carioca. Depois, migrou para uma revista paulista. Como correspondente internacional dessa mesma revista, ele cobriu posses presidenciais e renúncias, quebra de grandes empresas durante a crise econômica, manifestações envolvendo milhões de pessoas, atentados terroristas, casamentos da realeza britânica, porres de artistas pop, festivais de cinema, campeonatos de futebol, vôlei, tênis e rúgbi, corridas de fórmula 1, terremotos, acidentes de avião, de carro, de barco e de bicicleta (sim, um dia ele fez uma matéria sobre os acidentes de bicicleta na China, afinal, lá esse veículo é bastante usado) etc. De volta ao Brasil, ele foi chefe de redação da mesma revista, conseguindo torná-la em uma das três mais vendidas no país. A medalha de bronze não lhe bastava. Virou colunista e editor executivo do jornal mais vendido do país, aquele em que ele havia sido repórter no início da carreira. Esse trabalho o já careca jornalista abandonou por ideologia (ou não): foi ser ministro da secretaria de comunicação. Curiosamente, o presidente era seu amigo dos tempos de faculdade. Após outras experiências como político, ele lançou um blog vinculado a um portal de internet muito bem acessado e virou comentarista de política internacional em um telejornal. Ao longo de sua vida, no entanto, houve fracassos. Seus romances nunca venderam muito. Desde a primeira viagem como repórter especial, ainda no jornal, ele escrevia histórias fictícias. Já eram quatro livros publicados sem muito sucesso quando ele decidiu escrever uma auto-biografia.

Para que sua biografia se tornasse um best-seller, ele precisaria incluir algo mais do que questões que só interessariam estudantes de jornalismo ávidos por modelos a serem seguidos. Ele decidiu explicitar no seu livro esses períodos de felicidade e de melancolia. Ele começou o livro com os momentos mais marcantes em sua memória, mas evitando polêmicas. Fez questão também de evitar coisas comuns, como dia do casamento ou nascimento dos filhos. Falou sobre o incômodo de ter ereções após uma cirurgia de fimose aos 14 anos. Ele contou sobre a viagem que fez escondido com uma namorada na adolescência. Acamparam em uma praia no Espírito Santo e passaram o Reveillon transando. Contou sobre os dois dias que ficou bebendo sem parar depois que sua mulher o deixou revelando que estava apaixonada por um rapaz 15 anos mais novo que ela. Também descreveu como foi, alguns meses depois de ser deixado, descobrir que seu filho de 17 anos também era apaixonado por um rapaz, mas esse da mesma idade. No campo profissional, lembrou de sua demissão no primeiro estágio por ter assediado a sobrinha do editor de economia. Lembrou também a ocasião em que deu um soco em um repórter italiano ao fim de uma coletiva de imprensa do primeiro ministro alemão. Entre muitas outras peripécias.

No final das contas, o bem-sucedido blogueiro e comentarista da TV, lançou um livro muito pessoal. Não havia grandes revelações, mas havia nele o que o jornalista julgava ser o mais curioso de sua vida. Foram 378 cópias vendidas em três meses, quando a editora decidiu parar de rodar exemplares. Sua filha dizia que tinha mais amigos no facebook que o pai dela tinha leitores. Ter um livro que fosse muito vendido era o grande desafio para aquele homem naquele momento de sua vida. Determinado a tornar sua auto-biografia em um best seller a qualquer custo, ele voltou ao computador para redigir novos capítulos, bombásticos. Esses capítulos continham nomes de políticos ainda em atividade atrelados a esquemas de corrupção e explicavam o real motivo para ter renunciado ao cargo de ministro. Também estava nessas novas páginas a revelação da forma de trabalhar antiética de alguns de seus colegas no jornal para conseguir furos de reportagem. O leitor também teria acesso a algumas histórias de sua vida pessoal que teriam muito mais impacto do que as lançadas na primeira edição da auto-biografia, como o caso de amor que teve com a esposa de um outro jornalista. O livro certamente venderia muito mais com as revelações, mas ele não sabia como lidar com as implicações de jogar a bosta no ventilador.

No dia em que foi à emissora de TV fazer seus comentários de política internacional no telejornal vespertino, trancou-se no camarim com uma cópia da nova edição do livro, uma pequena carta redigida a mão e uma pistola calibre 22. Sentou-se na poltrona ao lado da porta do banheiro e atirou no peito, morrendo instanteamente. A carta de despedida acabou publicada no seu blog como o último post. Lá ele explicava como sua vida havia sido gloriosa e incompatível com o marasmo que vivia antes do suicídio. Também deixava claro que não poderia continuar vivendo após as revelações que a nova edição de seu livro traria. Seu blog teve mais de 150 mil acessos em um dia. No dia seguinte, a capa do jornal estampava a última frase da carta que virou post: “Deixo a vida para entrar na lista de livros mais vendidos.”

domingo, 14 de novembro de 2010

Não vá para Pasárgada, Bandeira!

Como eu sei que Manuel Bandeira estava muito triste quando escreveu seu poema “Vou-me Embora pra Pasárgada”, decidi enviar-lhe alguns conselhos:

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei


Mulher, é claro! Tinha que ser mulher. A primeira coisa que passou pela sua cabeça para escrever esse poema foi mulher. Mas eu te entendo, caro Bandeira. Você é dos meus. É um daqueles que acha que é impossível ser feliz sozinho, mas que não acha a mulher certa nem fodendo. Foder faz parte do metiê, é verdade, mas enfim...

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive


“Aqui não sou mais feliz” é um verso contundente. Veja você que se a primeira coisa que lhe faz querer ir para Pasárgada é mulher e a segunda é que você não é mais feliz aqui (seja lá onde for “aqui”), conclui-se rapidamente que para ser feliz você julga precisar de uma mulher. E o pior é que você tinha a maior fama de pegador. Mas cuidado, Bandeira, não dê tanta moral a elas. Elas podem ser perigosas. Aí você vem com esse papo de que “Lá a existência é uma aventura”. Se vivesse no Rio de Janeiro de hoje em dia certamente não teria a ousadia de escrever isso. Convenhamos, há cidade com mais aventuras que o Rio de Janeiro? Aqui temos um trem que vira e mexe sai por aí desgovernado fazendo as pessoas se jogarem na estação. Temos pivetes que correm atrás de você em plena Avenida Rio Branco. Temos jovenzinhos fazendo pega na Zona Sul. Flanelinhas que arranham seu carro se você não pagar 20 reais para estacionar. Ahh, Bandeira, francamente. E ainda completa dizendo “De tal modo inconsequente.” O fim dessa estrofe é incompreensível. Como diria o poeta (outro poeta): O que tem o cu a ver com as calças?

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada


Cara, tem tudo isso no Rio, não precisa ir para Pasárgada! Tem um monte de academias aqui e tem agora aquelas estações onde você pode alugar bicicletas, se essa é a preocupação. Lá pras bandas de Santa Cruz deve ter burro para você montar e, porque mora em Santa Cruz, ele já deve ser brabo. Pau-de-sebo tem na feira de São Cristóvão em época de Festa Junina. Banho de mar tem no Rio a dar com pau, e rio tem um monte também: Rio Maracanã, Rio Pavuna, Rio Sarapuí... Só beleza! E pagando, você arruma uma mãe d’água que te conta a história que você quiser.

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar


Eu sei que foi depois que você morreu, mas hoje temos uma coisa chamada pílula contraceptiva. Uma beleza, viu? Mas que diabos é um telefone automático? Quanto ao outro problema, já ouviu falar em Termas Aeroporto? Fica ali na Glória, muito famoso e você encontra essas coisas aí dos últimos parágrafos.

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada.

Não fica assim, não, meu camarada. Isso passa! E não adianta ir para outro lugar, você sempre será a mesma pessoa. Acho que você está é precisando fazer análise.