quarta-feira, 7 de abril de 2010

Precipício Precipitado

Ele estava decidido a suicidar-se. Já estava em pé no parapeito do terraço daquele prédio litorâneo de 12 andares. Olhava para frente, como se tentasse encarar o que estava por vir, e via outros prédios, maiores do que o seu. Talvez aquela fosse uma metáfora para a sua própria vida. Por isso mesmo decidiu pôr um fim a ela. Ele não temia a dor que iria sentir ao estabacar-se no chão. Também não tinha medo de arrepender-se enquanto estava no ar e muito menos pensava no que os outros sentiriam após a sua partida. Em sua mente, tudo conspirava para que ele realmente tomasse tal decisão. No entanto, quando mais podia-se dizer que ele não desistiria do ato suicida, ele desceu do parapeito. Com as mãos apoiadas nele, olhou novamente para os prédios e a cidade como um todo, agora de um lugar um pouco mais baixo. Respirou fundo. Então, virou-se para trás e começou a caminhar na direção contrária. Seus passos eram lentos e seus olhos fitavam o chão. Sua expressão era de gravidade, quase sofrimento. Ao longo da caminhada, lágrimas escassas marcavam o chão de ardósia. Chegou ao parapeito oposto ao que estava. Sem muita dificuldade ele subiu para exatamente a mesma posição que estava do outro lado, colocando a perna esquerda no alto primeiro. Ele buscava era a vista para o mar. “Se morrerei, que morra com uma bela vista” pensou ele.

Fixou seu olhar no horizonte e começou a concentrar-se para pular. Como parte dessa concentração pré-suicídio ele decidira pôr na mente algo que quisesse perpetuar, que merecia a honra de seu último pensamento. Não havia, porém, algo em sua vida que claramente merecesse ocupar esse posto. Ele teve que vasculhar um pouco em sua memória. Foi aí, durante o derradeiro processo mental, que lembrou de seu primeiro grande amor. Tratava-se de uma bela mocinha cujo corpo esbelto, voz aveludada e forma atenciosa de lhe tratar haviam resultado em tremenda paixão por parte do rapaz. Ela se mudou para Porto Alegre devido a estudos universitários e o deixou no Rio, mesmo confessando que o amava. Há quem diga que são coisas da juventude, mas para ele, que já não era tão jovem assim, as memórias daquele amor pareciam ser as mais doces, sérias e comprometidas de toda a sua inútil vida. Ele lembrava com exatidão o teor de tristeza que os olhos dela, negros como uma pérola, carregavam quando se despediu dele na rodoviária. Nunca esqueceu as noites de amor que tinham quando fugiam, as conversas francas e divertidas que desenvolviam no caminho para a escola, os planos ingênuos e caprichosos que faziam juntos, etc. Naquele momento se deu conta de que era incompreensível sofrer tanto por ter perdido a esposa com quem não dividia nenhum interesse e que suicidar-se por conta disso seria burrice. É óbvio que ter perdido o emprego, ter que vender o apartamento por conta da divisão de bens e ter visto o Vasco ser rebaixado para a segunda divisão contribuíam para aquela rua sem saída na qual se encontrava, mas o cerne da questão era ter sido abandonado por sua ex-mulher alguns meses antes.

Ele lembrou que tinha o endereço desse seu primeiro amor em Porto Alegre guardado em algum lugar e recentemente havia ouvido dizer que ela também estava se divorciando. Não seria má ideia mudar-se para Porto Alegre, afinal, aquela era uma cidade que ele gostaria de conhecer. Assim, ele se apaixonaria de novo pela linda moça e esqueceria a ex-mulher, conseguiria um novo emprego e de quebra poderia dedicar-se a esquecer o Vasco e começar a torcer para o Internacional. Era isso. Seus problemas estavam todos resolvidos. Ele nunca sentiu tanta vontade de viver como sentira naquele momento. Decidiu descer do parapeito e desistir da ideia que agora via como louca. Desatento, só então notou que as pessoas já se aglomeravam embaixo do prédio pedindo para que ele não pulasse. Ele sorriu, banalizando a situação, e virou-se de costas, decidido a não se suicidar. No entanto, este glorioso homem subestimou o vento que bate em regiões litorâneas. Tentou equilibrar-se quando sentiu que involuntariamente ia cair, mas não teve jeito. Com a maior expressão de horror possível estampada em seu rosto, viu-se tombar para trás. E flutuou no ar como se fosse um pássaro. Se acabou no chão feito um pacote flácido. Agonizou no meio do passeio público. E morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

6 comentários:

  1. "Ele lembrava com exatidão o teor de tristeza que os olhos dela, negros como uma pérola, carregavam quando se despediu dele na rodoviária."

    Não sei porque, gostei bastante desta parte. hahaha

    Confesso, o final foi realmente uma surpresa.
    Triste até, mas fabuloso como de costume! ;D

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  2. Que horror!
    Mas como sempre (retirando o fim) Adore, maravilhoso, fabuloso!
    Você!

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  3. De fato, foram os deuses do futebol que o castigaram por ter virado a casaca!

    Muito bom Daniel!

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  4. Cara. Eu queria escrever como você. Excelente, bravo!

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  5. Ótimo texto, Daniel!
    O final, com Chico, ficou simplesmente genial.

    Beijos!

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